No mês de dezembro, comemoramos 10 anos de atuação. Tomamos a decisão coletiva de fazer nossas celebrações dos marcos temporais de luta no 10/12 pela importância simbólica da data; o dia da assinatura da Declaração Universal de Direitos Humanos.
Nascemos, enquanto CPDH, a partir da vontade organizada de garantir a dignidade na capital mais desigual do país desde 1991. De 2012, quando demos nossos primeiros passos, até aqui, vimos atentados frequentes à democracia, mas nunca organizados abertamente com tamanha imoralidade e adesão, envolvendo alta participação e encorajamento político, alicerçados em discursos de ódio, impulsionados com dinheiro público, de acordo com interesses privados, e financiados também por milícias, numa aliança com o agronegócio e a frente neopentecostal, em mais uma tentativa de golpe da extrema direita brasileira, que fortalece planos de controle e extermínio de cidadãos dissidentes para manutenção do pacto da elite eugenista.
Desde a ascensão do bolsonarismo, ataques à democracia e aos direitos humanos, de cunhos racistas, classicistas e lgbtfóbicos, cresceram exponencialmente e as instituições democráticas passaram a ser agredidas cotidianamente pela figura do presidente, afetando a confiança da população nessas instituições, como caso do Poder Judiciário e sistema eleitoral. O aumento de pessoas que pedem a volta da ditadura militar é um exemplo dos avanços autocráticos, que seguem por entre mobilizações ilegais de negacionistas radicais pós-eleição, gerando maior tensão política e perseguição de defensores de direitos humanos. A autonomia dos sujeitos políticos enfrenta o momento mais delicado desde a redemocratização, agudizado pelas consequências de uma crise sanitária e humanitária, pelo aumento do vigilantismo estatal sobre as formas de organizações da sociedade e suas reivindicações e o fomento de uma cultura de violência a partir da exaltação das forças armadas e reverberação de discursos armamentistas e punitivistas. Durante a pandemia, 6.416 pessoas foram mortas pelas forças de segurança no país, o número mais elevado registrado pelo Fórum de Segurança Pública Brasileiro desde que os dados começaram a ser recolhidos em 2013. 78,9% das vítimas são negras. A polícia pernambucana matou 113 pessoas em 2020, e todas as vítimas em Recife eram negras. O número de mortes em Pernambuco em 2020 aumentou 53% em relação a 2019.
A presença massiva de militares no governo fragiliza a democracia brasileira. A Constituição Federal prevê a separação entre o Estado e as Forças Armadas, que não devem interferir nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Outra ameaça são os ataques constantes à imprensa e seus profissionais, em especial jornalistas e comunicadores da mídia livre, que ferem o direito constitucional à liberdade de imprensa e expressão. E não podemos esquecer as fake news, uma das raízes da desinformação, utilizadas sistematicamente pela extrema direita. Além disso, houve também um retrocesso no acesso a informações públicas que contribuiu significativamente para encobrir os erros e atrocidades em série cometidos nos últimos 4 anos.
O Estado brasileiro tem uma longa história de instituir e restabelecer atos que afastam a sociedade da democracia e da transparência. No governo Bolsonaro, como era esperado, a Lei de Acesso à Informação foi desvalorizada. Até o segundo momento, quando tornou-se ferramenta política estratégica após a inversão do seu sentido original. O uso das exceções da LAI teve efeitos piores do que seu esvaziamento inicial, como a imposição de sigilos de 100 anos a informações públicas. A LAI completou 10 anos de promulgação em 2021 e é, reconhecidamente, um importante instrumento de exercício da democracia direta, sendo viabilizada na prática, principalmente, pelos Portais da Transparência. É comum, contudo, que legislações deste tipo prevejam algumas exceções, por razões de segurança da sociedade e do estado. Há possibilidade de se impor restrição a informações pessoais para fins de proteção da intimidade, da honra e da vida privada. E são exatamente essas as informações que podem sofrer a restrição de 100 anos, sob a invocação do Art. 31 da Lei de Acesso à Informação. Bolsonaro fez desse artigo um escudo para proteger a si e seus aliados, ocultando sua carteira de vacinação; o processo de compras da vacina Covexin, investigado pela CPI da Covid, que depois conseguiu o veto da restrição; o processo das “rachadinhas” envolvendo Flávio Bolsonaro; e até mensagens diplomáticas trocadas com o governo do Paraguai a respeito da prisão de Ronaldinho Gaúcho, que no ano anterior havia sido nomeado embaixador do Turismo do governo brasileiro.
Cerca de 65 informações receberam o selo de sigilosas. O governo bolsonarista alimentou a sua sanha autoritária e autocrática também através da LAI. Em vez de sigilos questionáveis, precisamos, por exemplo: de campanhas de incentivo ao uso dos Portais pela população; do desenvolvimento de novas ferramentas tecnológicas para ampliar cada vez mais essa utilização; de parcerias com universidades para fomentar pesquisas e produção de dados obtidos através da LAI. Neste trilho, ela voltará a ser um instrumento democrático, de exercício da cidadania pelo povo, como foi concebida para ser há mais de 10 anos.
Reafirmamos nosso compromisso com a defesa da liberdade de expressão e a garantia do direito à cidade. Acima de tudo, reafirmamos nosso compromisso com a luta por direitos e a integridade da democracia. Iniciamos o último mês de transição política na expectativa de avanços e fortalecimento da nossa luta com um governo democrático eleito, mas decidimos olhar um pouco para o que é preciso recuperar e refletir sobre a dimensão dos danos a reparar.
Caminhamos juntas, juntos e juntes nesse trilho de resistência, ecoando:
Só é democrático se é antirracista, anticapitalista, feminista e diverso.
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